O Brasil está à beira de uma verdadeira revolução na forma de se relacionar com seu próprio dinheiro. Se tudo correr bem, o sistema PIX lançado ontem (19) pelo Banco Central (BC) vai digitalizar o nosso dinheiro, com isso diminuindo os custos de transações financeiras entre pessoas, empresas e, inclusive, governo.
É importante destacar que o Brasil está em uma espécie de vanguarda tecnológica com o PIX, testando um sistema de pagamentos instantâneos universal que nem mesmo grandes economias, como China e EUA, têm.
O PIX pretende conectar fintechs, varejistas, pessoas, bancos tradicionais e digitais por um único sistema
O PIX pretende conectar fintechs, varejistas, pessoas, bancos tradicionais e digitais por meio de um único sistema que poderá transferir fundos de maneira rápida e com custo na casa dos centavos por transação.
Essa é a principal vantagem prática do PIX em relação às transferências TED, DOC e aos pagamentos por cartões de crédito e de débito. Ao passo que enviar dinheiro de um banco para o outro pode custar até R$ 10, varejistas podem pagar muito mais que isso ao aceitar um pagamento por cartão, dependendo da taxa que sua maquininha cobra por operação.
O Banco Central vai manter uma estrutura moderna baseada no protocolo “ISO 20022 “, capaz de catalogar usuários e instituições participantes, como também de registrar cada transação operada no sistema. Isso vai acontecer muito rapidamente, quase como se houvesse uma comunicação direta entre as partes. É comparável a uma transação P2P (Peer-to-peer), mas não a algo como Blockchain.
Pagar ou enviar dinheiro para pessoas ou alguma empresa serão ações tão simples quanto mandar uma mensagem, como esclareceu Alexandre Pinto, diretor de novos negócios da Matera (empresa que fez parte dos grupos de trabalho que envolvem o processo desde o início).
A base tecnológica utilizada tem como fundação o envio de mensagens
“A base tecnológica utilizada tem como fundação o envio de mensagens. Então as transações financeiras que vão acontecer serão baseadas em mensagens enviadas de um participante para outro, podendo ser de pagamento, de cobrança, de registro de usuário, um catálogo de diversos registros de mensagens diferentes”, disse.
Ele também destacou que a tecnologia por trás do PIX é algo que pode, um dia, se tornar um padrão mundial de transferências e pagamentos. “O banco central não quis reinventar a roda, mas sim utilizar um padrão existente, e isso é importante para não criar algo muito específico do mercado brasileiro”, revelou. “Quem sabe havendo uma padronização com relação às mensagens — não é nada impossível imaginar —, talvez daqui alguns anos a gente tenha uma rede de pagamentos instantâneos mundial; o câmbio e a remessa entre países aconteça também 24 hx7”.
Esquema do funcionamento do PIX (Reprodução/Banco Central)
Custo por transação
A principal diferença do PIX para as operações com cartão é o custo. As bandeiras ou “operadoras” cobram uma porcentagem do lojista baseada no valor total pago pelo cliente. Se você comprar uma geladeira à vista no cartão por R$ 2 mil, o vendedor receberá algo próximo de R$ 1.940, considerando uma taxa de 3% — bem comum no mercado atual.
No PIX, o valor total da compra não deve influenciar no da transação
No PIX, o valor total da compra não deve influenciar no valor da transação. Assim, em vez de pagar R$ 60 para receber uma compra de R$ 2 mil, o lojista pode pagar apenas poucos centavos.
Não se sabe exatamente quantos centavos uma transação no PIX vai custar, mas o Banco Central já destacou que o valor será bem baixo. Para o cliente que fizer uma carteira digital compatível com o sistema, o custo inclusive vai acabar sendo zero ou diluído no custo de algum serviço fornecido pela contratada.
Mas com a notícia do lançamento do PIX feita ontem pelo BC, muitas dúvidas sobre os valores reais das transações apareceram na cabeça dos futuros usuários. Realmente, será que os bancos não vão cobrar a mesma taxa de TED ou DOC que cobram hoje?
Em entrevista coletiva ontem em São Paulo, Carlos Brandt — chefe adjunto do Departamento de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro do BC — disse que o mercado estará livre para cobrar a taxa que quiser dos clientes nas operações com o PIX, mas haverá um controle contra abusos por parte da instituição.
Haverá liberdade para que se cobre do cliente. Mas se houver uma situação em que a formação de preço esteja sendo distorcida, nada impede que o BC, no papel de regulador, interfira nessa falha de mercado
“Não há qualquer restrição à cobrança de tarifas [via PIX]. Vamos estruturar o serviço de forma aberta, estimulando a competição, para que isso leve a uma boa formação de preço ao usuário final. Haverá liberdade para que se cobre do cliente. Mas se houver uma situação em que a formação de preço esteja sendo distorcida, nada impede que o BC, no papel de regulador, interfira nessa falha de mercado”, explicou Brandt.
Mas, como notou muito bem Fernando Paiva do MobileTime, o BC também cobra hoje uma taxa muito baixa para transações TED e DOC dos bancos. Essas instituições, contudo, resolvem repassar valores bem maiores para os clientes.
QR Code e o fim do boleto
Uma das principais formas de realizar pagamentos e transferências via PIX será na forma de um QR Code. O lojista poderá ter, por exemplo, um código desses em seu balcão para que o cliente escaneie com a câmera do seu celular e realize a operação rapidamente.
O mais interessante é que o varejo poderá ter apenas um código desses em seu estabelecimento em vez de um QR para cada serviço ou carteira digital que ele tenha.
Fora essa unificação, haverá também mais rapidez e comodidade, o que deve ajudar na disseminação do pagamento por esse tipo de código no Brasil. Estima-se ainda que formas de pagamento populares, como o boleto bancário, caiam no ostracismo ou desapareçam completamente.
Pagamentos por QR Code podem ser unificados (Imagem: Leo Martins/Seu Dinheiro)
A Loise Nascimento — Legal Payments & Regulatory na MovilePay — acredita em um futuro como esse, mas detalha que o sistema do BC terá suas limitações, mais devido à nossa infraestrutura de comunicação falha do que ao próprio PIX.
“O PIX deve se popularizar pois melhora experiências que atualmente são muito ruins, trabalhosas, demoradas, como é o caso do boleto. Estamos avançando na popularização do QR Code, que já é muito utilizado atualmente, e assim vamos educando a população a se acostumar com esse tipo de tecnologia e abrindo caminho para os pagamentos instantâneos e tecnologias futuras.
É possível que algumas tecnologias atuais desapareçam, enquanto outras apenas se tornem menos populares
É possível que algumas tecnologias atuais desapareçam, enquanto outras apenas se tornem menos populares. Em locais mais isolados, por exemplo, nosso principal concorrente ainda é o dinheiro, e o desafio é mudar o hábito da população. A maior parte dos brasileiros já tem smartphone, nosso maior gargalo agora é o sinal do celular, que nem sempre é bom em locais mais afastados”.
Os grandes bancos vão entrar?
O BC começou a realizar testes com PIX junto a pequenas empresas e fornecedores de tecnologia — caso da Matera —, mas, a partir de junho deste ano, os grandes bancos serão obrigados a adotar a novidade. Qualquer instituição financeira — banco ou fintech — com mais de 500 mil contas de clientes ativas será obrigado participar do PIX por regulamentação nacional.
De início, esse critério de obrigatoriedade já agrega cerca de 30 instituições que são responsáveis por mais de 90% das contas transacionais ofertadas no Brasil. Com isso, o BC vai garantir que a maioria dos brasileiros que já possuem contas em bancos poderão se beneficiar da novidade, aproveitando um sistema de pagamentos padronizado que já nascerá com milhões de usuários.
É como se você entrasse no WhatsApp ou Telegram achando que não terá com quem conversar, mas, na verdade, todo mundo já está lá.
Reprodução/Banco Central
Segurança
De todos os pilares do PIX, esse talvez seja o mais instável ou “obscuro” no momento. Naturalmente, o sistema terá forte segurança para evitar que criminosos o invadam diretamente no gerenciamento feito pelo BC.
Contudo, a segurança contra fraudes na ponta dos usuários será feita pelas empresas que fornecerão o serviço de carteira digital ou métodos de pagamento. Em outras palavras, a quantidade de fraudes no sistema dependerá do zelo que as companhias participantes aplicarem no desenvolvimento de suas tecnologias.
Se uma pessoa faz compras em São Paulo e, de repente, aparece fazendo compras em Buenos Aires, vale uma checagem
Isso é um pouco preocupante especialmente porque o PIX só processará transações irrevogáveis ou sem possibilidade de “chargeback”. Isso significa que, uma vez realizada, uma transferência não pode ser desfeita, e caso sejam identificados erros ou fraudes, os envolvidos precisarão desenvolver alguma espécie de acordo ou sistema para fazer algum tipo de reembolso.
Mesmo assim, Alexandre Pinto, da Matera, vê esse problema como algo solucionável. “Será uma responsabilidade da fintech, do banco, enfim, de quem se conectar a essa rede de pagamento o cuidado, principalmente na adesão de novos clientes”, detalha. “Estou imaginando, ‘especulando’, que serviços de geolocalização sejam usados: por exemplo, se uma pessoa faz compras em São Paulo e, de repente, aparece fazendo compras em Buenos Aires, vale uma checagem”.